terça-feira, novembro 14, 2006

DUAS OU TRÊS COISAS QUE SEI DA FILOSOFIA


A filosofia não é uma doutrina ensinável e muito menos comercializável. Nela não se devem esperar encontrar dogmas, certezas inabaláveis, verdades inquestionáveis mas tão somente interrogações críticas e radicais, propostas possíveis ainda que rigorosamente fundamentadas, caminhos traçados à medida dos passos de quem os projectou trilhar. Por isso, a relação que se deve estabelecer entre o professor de filosofia e o aluno é substancialmente diferente da relação clássica existente entre mestre e discípulo em que este último é agente passivo, receptáculo, mais ou menos fiel, de um saber que o mestre fornece de uma forma mais ou menos doutoral. A primeira exigência que o filósofo faz ao aprendiz de filósofo é que pense pela sua própria cabeça, não aceite nada sem utilizar a reflexão e a crítica e a ajuda que o aprendiz pode esperar do filósofo é que este lhe proporcione oportunidades e instrumentos para aprender por si mesmo, para construir o seu próprio saber. A filosofia neste sentido é mais um trajecto do que um conjunto, mais ou menos cristalizado, de ideias, raciocínios e afirmações. Por isso não é possível vendê-la nem comprá-la, consumi-la tranquilamente no remanso do nosso sofá estofado.
A filosofia não fornece receitas de felicidade nem resolve magicamente os nossos problemas mas, sem ela, a felicidade será sempre mansa, dócil e caprichosa e os problemas não são resolvidos através do fechar de olhos ou da aceitação passiva das soluções que os vendedores de promessas nos dão a troco de uma fé sem perguntas.
A filosofia não é uma ciência porque o seu saber não é verificável, porque não se chegam a amplos consensos mas a verificabilidade e o consenso não podem ser critério único de validação do conhecimento. Aliás a identificação usual entre ciência e conhecimento verdadeiro é perigosa e falsa porque assenta no pressuposto de que há um modelo de conhecimento e de que a verdade é monopólio desse tipo de conhecimento sem ter em conta as múltiplas dimensões humanas.
A filosofia não é inútil porque só é inútil aquilo que nos deixa indiferentes, amodorrados nas nossas trivialidades e pequenas seguranças, cegos e surdos ao que poderia alterar o nosso universo privado, a nossa prisão ainda que dourada.
A filosofia não é cómoda; ela não se faz de pantufas porque exige empenhamento, honestidade e rigor intelectuais, esforço, humildade, autonomia e abertura ao diálogo e ao confronto de ideias. A filosofia é diálogo e nasce do diálogo, diálogo constante connosco e com os outros, diálogo sistemático e organizado, sem temas tabu ou reservas mentais. Num tempo de monólogos, discursos unidimensionais e de técnicas de marketing para venda do produto, inclusivé o produto intelectual, o diálogo filosófico pode e deve ser o estilhaçar do autismo dominante, o convite para a solidariedade que se faz na tolerância e na diferença.

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